06 novembro 2007

Entrevista de Marcola ao Globo. (23/05/2006)



Não há solução, pois não conhecemos nem o problema, é maior que possamos
imaginar... "Você é do PCC?"


- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível...
vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole
resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural,
desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca
vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para
nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas
sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas... Agora,
estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós
somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio
Dante na prisão...


- Mas... a solução seria...


- Solução? Não há mais solução, cara... A própria idéia de "solução"
já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero
por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos
bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma
imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação,
urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma
"tirania esclarecida", que pulasse por cima da paralisia burocrática
secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os
287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) e do
Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo
penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias
municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre
presídios...). E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa
mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou seja: é
impossível. Não há solução.


- Você não tem medo de morrer?


- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem
entrar e me matar... mas eu posso mandar matar vocês lá fora.... Nós somos
homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba... Estamos no centro do Insolúvel,
mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única
fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de
vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração...
A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala... Vocês intelectuais
não falavam em luta de classes, em "seja marginal, seja herói"? Pois
é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó,
né? Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante... mas meus
soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não
há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo
aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se
diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade.
Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas "com
autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma
espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina,
ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a
merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie
social, são fungos de um grande erro sujo.


- O que mudou nas periferias?


- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar
não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a polícia
que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma empresa moderna,
rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no "microondas"...
ha, ha... Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos
métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês,
em terra estranha.
Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem
armados. Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa.
Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam
em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população
das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais,
provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não
esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o
surto de violência.


- Mas o que devemos fazer?


- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado,
senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de
cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro
nem para o rancho dos recrutas... O país está quebrado, sustentando um Estado
morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos,
empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou
lendo o Klausewitz, "Sobre a guerra". Não há perspectiva de êxito...
Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete
antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí...Pra acabar com a gente,
só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também
"umazinha", daquelas bombas sujas mesmo.... Já pensou? Ipanema
radioativa?


- Mas... não haveria solução?


- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a "normalidade".
Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria
incompetência. Mas vou ser franco.. na boa... na moral... Estamos todos no centro
do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês... não têm saída. Só a merda. E
nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê?
Porque vocês não entendem nem extensão do problema. Como escreveu o divino
Dante: "Lasciate ogna speranza voi che entrate!" Percam todas as
esperanças. Estamos todos no inferno.

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